domingo, 24 de fevereiro de 2013

fantasia, parte 2

Kozyndan - Nakano In Spring

Podemos construir um universo em que o fantástico é plausível e uniforme. A obra de Tolkien  é um exemplo.Tolkien cria uma mitologia nova num espaço geográfico e temporal, próprio. A âncora da sua criação é um folclore já existente. Dentro desse universo, o fantástico é tão comum como o real e um dragão voador não é mais improvável do que um cavalo ou um cão. O leitor fica imediatamente predisposto a acreditar, focando-se no que Tolkien cria com esses elementos. Outra forma introduzir o fantástico é ter dois universos paralelos, um real que é o espelho do mundo do leitor, e um de fantasia, simulando aquilo que se passa na cabeça do leitor na passagem do real ao fantástico. Obras como Alice no País das Maravilhas ou a Viagem de Nils Holgersson, são um exemplo. Existe um mundo real (o nosso) e depois, por um portal, um cogumelo, um espelho, acedemos a outro mundo, o mágico. Alice confronta-se com lagartas falantes e gatos invisíveis, Nils Holgersson é encolhido por um gnomo e passa a entender os animais que falam com ele, mas nem um nem outro ficam especialmente espantados com o que vêem do ponto de vista do realismo (forma). São crianças. O que espanta Alice é a crueldade da Rainha ou o absurdo do Chapeleiro. Do mesmo modo Nils preocupa-se com a raposa má que persegue o seu bando de gansos, mais do que com o facto da raposa em questão falar. Por vezes, este tipo de histórias reforça a credibilidade com uma chave no fim, algo do género "acordar de um sonho", mas com alguma recordação ambígua daquele mundo fantástico (uma pena de ganso etc.), o que deixa no ar a hipótese de um "e se?" O leitor (muitas vezes uma criança neste tipo histórias) identifica-se com aquele sentimento. Os sonhos que teve naquela noite podem até ter sido visitas a um mundo paralelo e não apenas produto da sua imaginação, o que sabem disso os adultos? Há também um grupo de histórias em que boa parte do interesse reside no confronto entre  o  real e o fantástico, no espanto e no caos causado por essa hipótese, sejam zombies que emergem da terra ou aliens que aterram no planeta. Ao termos personagens que ficam de boca aberta ou assustados perante o fantástico, o autor credibiliza-o, assumindo que naquele universo que está a criar, as pessoas ficam realmente tão espantadas quanto o leitor ficaria se visse um zombie ou um alien. Por fim, temos casos como a Metamorfose de Kafka, o Nariz de Gogol, o Molloy do Becket ou Espuma dos Dias do Boris Vian, em que o absurdo ou fantástico é assumido sem referências, sem recurso a universos paralelos ou explicações. Não há sonho, não há causa ou efeito, há simplesmente uma coisa que é assim e que nem sequer pede para ser aceite, para que acreditemos nela, não está preocupada com isso, está no mesmo plano do real, pois o sol, que faz crescer as plantas pelo milagre da fotossíntese, também nunca nos pediu para que acreditássemos nele e no entanto, ei-lo.

1 comentário:

Francisco disse...

Da forma como vejo as coisas, as palavras são a primeira fantasia; e talvez a maior de todas, independentemente de existirem pessoas, grilos ou escaravelhos que falem ou sintam.