quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A Pequena Sereia

À noite depois de jantar brinco ao escritor dos anos 50. Fumo, bebo e observo a jovem mãe que, como num quadro de Hopper, se passeia pela cozinha do prédio em frente em camisa de noite. À uma da manhã, com tudo a dormir, costuma surripiar gelado e comê-lo às escondidas, à janela. E oiço oldies e tenho a tv no mute e escrevo. Até me fartar de brincar ao escritor americano e ficar com soninho.

Então vou para a caminha com o meu panda de peluche e o barrete de dormir. Leio-lhe sempre histórias ou então, quando estou cansado demais para ler em voz alta, ponho o livro de maneira que os dois consigamos ler. Às vezes tenho de voltar atrás porque ele é muito lento a ler mas ele critica-me por ler na diagonal às vezes e discutimos e ele pergunta detalhes e eu não me lembro de nada e volto atrás.

Há dias lemos de uma assentada o conto A Pequena Sereia de Hans Christian Andersen.

A Pequena Sereia, a mais jovem das irmãs, apaixona-se por um príncipe no primeiro dia em que lhe é autorizado vir à superfície. Salva-o de um naufrágio e leva-o para uma praia, onde ele é depois recolhido por outra jovem que o ajuda. Obcecada pelo príncipe e pela hipótese de ter uma alma eterna, a Pequena Sereia pede a uma bruxa má que lhe dê pernas em vez da cauda de peixe e que lhe conceda uma alma humana eterna caso consuma o casamento com o príncipe, uma vez que as sereias solteironas vivem 500 anos mas só têm uma existência subaquática.

Em troca ela tem de cortar a língua, ficar sem voz e passar a sentir agulhas e facas espetadas nas pernas de cada vez que anda, uma excelente metáfora do casamento. Ela aceita mesmo assim. E suporta todas as provações. Ou seja, torna-se mulher.

Acaba por viver no castelo com o príncipe mas este considera-a apenas uma amiga. Fica ali na friend zone. O príncipe apaixona-se pela outra que ele julga, erradamente, ser a heroína que o salvou. E pelo menos essa fala sobre bandas e livros. A sereia dança e encanta o príncipe mas não é suficiente. Sem voz, ela não consegue comunicar e o amor e a verdade, pelos vistos, dependem de algo tão inerte e falso como a capacidade de falar.

A bruxa propõe que ela mate o príncipe, se o fizer pode voltar a ser sereia. Mas ela recusa. Presa no seu sofrimento silencioso e abnegação, morre, transforma-se em espuma no mar na noite em que o príncipe casa. Apesar de tudo, arranjam-lhe uma espécie de acordo em que pode ascender à eternidade em função do número de crianças boas e más que há no mundo.

Moral, meninas:

a) precisam de pernas (e sexo) se querem que um tipo goste de vocês
b) têm de usar saltos altos e sofrer ao andar
c) se forem tímidas e esquisitas, não são aulas de dança do ventre que vos vão safar
d) os homens são príncipes e tudo gira à volta deles e a vossa função é salvá-los e não o contrário
e)  a vida terrena não é importante, no céu serão recompensadas
f)  não existe felicidade verdadeira, ela assenta sempre em enganos, existe apenas verdade no sofrimento
g) se tens cauda de peixe e vives no mar, deixa-te estar quieta, apaixona-te antes por um atum.

Posso dizer que o panda se comoveu com isto, ele é muito sensível. Disse-me que achava muito triste o conto e que deve ser muito difícil ser mulher e perguntou-me se eu não era capaz de casar com a pequena sereia tal como ela era, com a cauda de peixe e tudo... Disse-lhe que não e apaguei a luz. Ele demorou muito a adormecer.

7 comentários:

a.i. disse...

saltei a parte em que relatas a história da pequena sereia, como é óbvio. A parte da moral: ehenhc estava gira.
és engraçado, ali para baixo sobrestimas os teus leitores, com aquilo da matemática. agora aqui, achas que alguém não conhece a história da pequena sereia?! tsc tsc

Anónimo disse...

está ainda para vir o tempo em que os casamentos se vão consumir. para já, eles ainda só se vão consumar. caso percebas...

Apple disse...

E o panda, casaria com a sereia?

Tolan disse...

a.i. eu não vi o filme e só li o conto agora, pensei que a maior parte das pessoas tivesse o filme da disney em mente, que é bem menos dark segundo me disseram :)

rodiče disse...

é tão menos dark.
a voz dela fica dentro de uma concha e depois é-lhe devolvida porque a bruxa-feia-má transformou-se numa espécie de enguia mirrada.

Maria disse...

Moral, meninos: Os homens queixam-se eternamente que as mulheres falam demais... vem uma boazona,com pernas (e sexo) e tudo, mas como não fala, a primeira coisa que fazem é dar-lhe um pontapé no rabo (de peixe)!
Decidam-se!!

Eu não conhecia a verdadeira história da Pequena Sereia, só a versão delico-doce da Disney.

Pink World Fabuloutin disse...

a)confere... n há pernas melhores que as minhas e tb tenho pipi! :p

b) uso todos os dias mas n sofro nada é tudo uma questão de habito e ir subindo o tamanho do salto com os anos... já cheguei ao topo q o mercado nos oferece... mais altos só por encomenda!!!

c)tou safa

d)com os anos percebi q isto funciona assim em todo o lado e não apenas em algumas tribos... nós lutamos e puxamos o barco... vcs vão lá dentro a descansar e ainda reclamam se houver mtas ondas ou não somos suficientemente rápidas..

e)é o mínimo... ;)

f)Não concordo... há felicidade verdadeira... mas posso estar enganada!!! :)

g)Aqui é que não podia estar mais de acordo... nada como nos apaixonar por um ser semelhante a nós... e de preferência com mtos gostos em comum!!!

... e pronto... já o leio há tanto tempo q algum dia tinha de comentar este blog!!!