segunda-feira, 16 de maio de 2011

desastres à espera de acontecer

O In Cold Blood é perturbador porque Perry Smith e Richard Hickock são humanizados e tratados - literariamente - da mesma forma que as vítimas, os detectives e os locais de Holcomb. A cruel e trágica história familiar, particularmente a de Perry Smith, dá uma explicação. Normalmente os pcicopatas têm um qualquer trauma. Isto não desculpabiliza, mas é importante para perceber que o mal extremo não tem forçosamente que nascer por magia, do nada.

Existem extremos como o caso de Pedro Alonso López, o Monstro dos Andes - matou no Peru e na Colombia. Era filho de uma prostituta, foi depois abusado sexualmente num colégio e abusado na cadeia. Depois de matar 3 dos 4 abusadores na prisão (facto que agravou a sua pena em 2 anos), foi libertado e matou mais de 350 raparigas pré-adolescentes. Certa vez, índios capturaram-no e tentaram linchá-lo, mas um bom missionário católico impediu-os e salvou-o. Por fim foi preso e mesmo assim só uma cheia que desenterrou dezenas de corpos convenceu a polícia da sua confissão. Acabou, inacreditavelmente, por ser libertado após 20 anos na cadeia em 1998 e não se sabe do seu paradeiro.

Mas o caso de Perry Smith e Hickock é diferente, por não ser estratosférico como os casos de Pedro Alons López, ou o Nightstalker ou o Charles Manson. São dois putos idiotas, pobres, niilistas. Apesar de serem profundamente maus e não terem remorsos, toda a raiva não era metodicamente dirigida, a violência era como uma prova constante da sua virilidade ou afirmação. Tinham ressentimento contra a sociedade e as respectivas famílias (caso de Perry). A chacina de Holcomb é um acidente psicológico, um momento de psicose num assalto idiota. Perry vivia obcecado por mapas de tesouros enterrados. Ambos achavam sempre que se poderia enriquecer numa golpada final e para sobreviverem faziam pequenas falcatruas, cheques a descoberto etc. Em certa medida, a dinâmica entre Perry (o culto, o sensível, o visionário) e Dick (o prático, o charlatão, o bruto) é semelhante à de Dom Quixote e Sancho Pança ou mesmo Tom Sawyer e Huckleberry Finn. O primeiro encanta o outro com o seu mundo de ficção, ingénuo, em que tudo é um jogo.

Quando trabalhei aos fins de semana, nos meus tempos universitários, conheci algumas pessoas assim, não psicopatas, mas pessoas que tinham claramente um pendor para o desastre nas suas vidas. A maior parte não, eram atinados, mas alguns eram mesmo socialmente disfuncionais, faziam tudo mal e o que faziam mal ainda atraía mais desastre. Dava-me com alguns jovens de muito pouca instrução, odiavam a escola e esperavam sempre uma golpada qualquer. Tinham sempre um primo ou um tio ou um amigo que tinha enriquecido facilmente, ou nas obras, ou com um bar ou a vender droga. Eram completamente desgarrados de qualquer espécie de valores básicos e de noção da realidade. Eram capazes de ser despedidos ou de fazer merda até nas coisas mais simples, só por preguiça, por desafio, por uma rebeldia e ressentimento mal aplicado que os fazia ser desconfiados de tudo e de todos. A maior parte das vezes eram cómicos, gostava de os ver interagir (interagiam com alguma violência entre si, a mim deixavam-me em paz) mas fazia pena ao mesmo tempo, dava a sensação que ninguém lhes explicava que talvez não fosse boa ideia endividar-se para comprar um carro potente e depois kitá-lo, ou que não era prudente fazer corridas na vasco da gama ou fumar ganzas no WC antes de ir servir à mesa. Eram sempre um desastre à espera de acontecer.

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